A manchete “legalização do abordo: uma eterna polêmica”, no conceituadíssimo site Jus.com.br indica a complexidade do tema. Tê-lo como foco de um trabalho de conclusão de um curso com grandes exigências, como o de direito, exige coragem e determinação.
Com essas duas qualidades incorporadas à sua história, a jovem castanheirense Yanna Patrícia Armondes Nenevê, 21, filha de Sandra Armondes da Silva e Ademilson Gabardo Nenevê, bacharelanda em Direito da AJES (10º semestre), enfrentou o desafio e teve aprovação unânime da banca examinadora, que indicou a publicação do trabalho intitulado “Rediscussão Bioética Sobre o Conceito de Início da Vida e o Impacto sobre a Criminalização do Aborto no Brasil”.
Sobre o tema
Yanna diz que tem lembrança deste tema desde os debates no ambiente escolar da educação básica. A ideia de explorá-lo se fortaleceu estudando sobre direitos humanos na época do ENEM, por seu foco durante a faculdade e por vê-lo como assunto sensível e polêmico, alvo de críticas no campo da política. Destaca também as estatísticas sobre o índice de abortos.
Disparidade na responsabilidade
Para a jovem estudante, há uma disparidade entre a responsabilidade do homem e da mulher enquanto pais ou gestores de uma criança na legislação e moral brasileiras. “Conhecemos o sistema patriarcal e temos estatísticas claras de abandono paterno, enquanto todo o fardo, inclusive de criminalizar, recai exclusivamente sobre as mulheres, enquanto o ato de abandono paterno não é tipificado, resultando em, no máximo, uma indenização pecuniária quando é o caso de pai com excelente situação socioeconômica”, destaca.
Crítica ao moralismo
Honesta em suas convicções, ressalta que em conversas de “bar” muito se fala de uma moral absoluta, como se tudo na vida fosse preto no branco e os valores absolutos e inquestionáveis. “Sempre que se leva o assunto para o âmbito íntimo, porém, temos que todos conhecemos alguém que já passou por uma situação traumática relacionada ao aborto, seja por um momento de desespero ou abortos espontâneos”, frisa.
Na sua crítica aos que se negam a pensar além deste parâmetro, observa que todos conhecem os efeitos dos hormônios da gravidez, as oscilações de humor, tanto durante a gestação quanto no pós-parto. “Logo, é antiético julgarmos a conduta desesperada de uma mulher sem rede de apoio que opta pela interrupção da gestação pela nossa régua moral”, diz, lembrando que o alvo da criminalização é, como em diversos outros tipos penais realmente prejudiciais à sociedade, mulheres de etnia negra, baixa escolaridade e baixíssima renda familiar. “É penalizar em dobro uma população já marginalizada pelo Estado por um problema que, em sua essência, é uma questão muito mais de saúde pública do que um crime em si”.
Para Yanna, embora cada um tenha suas crenças pessoais, tanto morais quanto religiosas, nos diversos fundamentos, do que faria ou não com o seu próprio corpo, não podemos impor nossa régua moral como regra para a conduta do próximo. “Acima de tudo, deve-se respeitar a autonomia individual em assuntos tão subjetivos, como é o caso do aborto”, argumenta.
Conclui dizendo que negar a mudança na legislação, além de antiético e desrespeitoso, é contrário ao avanço da sociedade. Cita como exemplos positivos as mudanças ocorridas na Argentina e Uruguai, bem como referências em diversos aspectos, como ocorre nos Estados Unidos, onde a prática também é legalizada em grande parte dos Estados.
Banca Examinadora
Durante a apresentação, os professores que integraram a banca – Mestres Caio Fernando Gianni Leite (orientador) e Daniel Antônio da Cunha e Márcio Bonini Notari (membros) - iniciaram um debate mencionando outros aspectos do problema do abordo, como a questão de saúde e aspectos sociológicos, entre outros, e sugeriram o avanço com a pesquisa em um programa de Mestrado e, eventualmente, Doutorado.
Planos de futuro
Animada com o conselho dos mestres, Yanna, após a Colação de Grau, pretende se especializar e ingressar num programa de Mestrado com foco em Direitos Humanos e Sociologia, já adiantando como foco de luta a mudança do atual cenário legislativo no que se refere à autonomia reprodutiva. “Será um avanço enorme para todas as mulheres”, diz.
Enquanto este momento não chega, a dedicada castanheirense estuda para a 2ª fase do Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil para poder atuar na área, prestando assistência jurídica na região através dos meios possíveis.