A morte de Marília e a estupidez humana

Honoré de Balzac disse, certa vez, que “a estupidez tem duas maneiras de ser: ou se cala ou fala”. A repercussão nas redes sociais da recente e triste morte da cantora Marilia Mendonça ilustra a segunda parte do registro balzaquiano. 

Com certeza coisas como a ignorância, preconceito, altivez, arrogância e estupidez sempre existiram, por conta da tendência do coração humano para o mal, mesmo de quem luta contra seus dragões, conscientemente, por desejar o bem. 

As redes sociais, contudo, estão mostrando a que ponto podemos chegar quando “o lobo mau” que existe em nós – lembrando uma fábula conhecida – é mais alimentado do que o outro, o “do bem”. 

Quem se detém em ler comentários de textos sobre os vários temas da atualidade, tendo como referência de análise os padrões de justiça e de verdade, mesmo que mínimos, deve andar atordoado!

No entorno da morte da cantora, as manifestações carinhosas e respeitosas tem predominado, claro. Mas, as que vão em direção contrária, são tão fortes, aberrantes, cruéis, devastadoras, que as ofuscam. 

Circula nas redes um amontoado de absurdos que deve nos fazer questionar os parâmetros da liberdade de expressão.

A lista é enorme e choca, mas, como textos não faltam sobre o assunto, gostaria de me ater nos famosos tribunais de julgamentos estabelecidos pela estupidez humana e mais especificamente em um deles. 

Logo que se constatou o desfecho fatídico do voo que levava Marília e os demais para uma cidade do interior de Minas, os absurdos começaram. Um internauta consciente chegou a registrar: “estava demorando...”. Outro: “Lá vem...” E veio mesmo, não parando até agora. Coloco minha lupa em um dos cenários.  

Entre um segmento evangélico não poucos disseram que “Marília estava longe dos caminhos do Senhor. Daí a tragédia”. Seria hilário, se não fosse desastroso, esse pensar corrente entre muitos que se acham livres de um destino que não seja o céu após a morte. Além de lembrar que na mesma tragédia dois dos mortos eram cristãos evangélicos, preciso (não gostaria) confrontar os ditos cristãos que amam tribunais com algumas questões:

1 – Quem é santo para julgar o destino final de alguém? Todos somos pecadores. E o ato da salvação, na perspectiva bíblica, é algo que ninguém merece. Ou seja, resulta da graça de Deus, unicamente. 

2 – Que humano, por mais “santo que seja” pode julgar o destino final de alguém, partindo do pressuposto de que até a fé salvadora é dom (presente) de Deus?

3 – Quem pode sondar corações para dimensionar o nível de relação de alguém com Deus?

4 – Frequentar igreja, ler a bíblia, orar, embora sejam iniciativas comuns a todos que amam a Deus, não são sinais definidores de fé genuína, pois é o que existe no coração que conta.

5 – O arrependimento para salvação é um ato que pode acontecer em milésimos de segundo.

6 – O “todo” do evangelho não garante conforto a ninguém no ato infeliz de julgar, porque sempre existe algo em todos os crédulos em Cristo que indica o estado de miséria no qual nos encontramos, realçando a profundidade da graça e do amor de Deus. Existe uma infinidade de argumentos. Me atenho a esses. 

Entendo que a postura mais correta em situações como essa é rogar pelo consolo de todos os que choram seus mortos, não emitir opinião de cunho condenatório e não buscar ibope com achismos, alguns bizarríssimos, que conseguem o objetivo de enganar os ingênuos. 

Voltando a Balzac ele concluiu seu argumento dizendo que “a estupidez muda é suportável”. E para não dizer que não citei Cristo, referência maior da fé cristã, lembro do seu sermão escatológico sobre o fim dos tempos, quando diz que o amor vai esfriar entre as pessoas. Julgamentos como este, sobre o destino final de alguém, seja famoso ou não, é um dos reflexos da falta de amor! 

Vivaldo S. Melo - Castanheira MT