Cena da abertura da Olimpíada impõe uma séria reflexão sobre o comportamento cristão.
Uma grande indignação se revelou mundo afora, em países livres onde o cristianismo tem relevância, a propósito da imagem da “Santa Ceia”, pintura famosa de Leonardo da Vinci, ser encenada sob uma perspectiva da igualdade e diversidade, num dos momentos da abertura das Olimpíadas, na França.
O grupo executor pediu desculpas, em nota, destacando que a intenção não foi debochar da fé cristã, mas ilustrar o sentido do tempo escolhido. A fúria, inevitável, dos que ficaram em choque (eu mesmo fiquei) pode e deve levar a reflexão sobre a incorporação do tema, ao longo de décadas, no próprio ambiente cristão.
Sob a ótica do cristianismo, a questão da sexualidade se estabelece em torno dos pilares “homem e mulher”. Ou seja, a partir da leitura de que Deus fez homem e mulher para se relacionarem entre si, com propósitos, entre outros, de procriação. Qualquer alternativa fora desta perspectiva se configura pecado.
Como cristão caminho por essa linha, mas penso que a maior referência de postura que devemos adotar nos processos relacionais em relação aos que pensam diferente, é Jesus Cristo. Como em tudo, ele quebrou parâmetros, em todas as áreas. E no relacionamento com “o outro diferente”, embora sempre deixasse em evidência certos parâmetros irrevogáveis do evangelho, teve postura de compaixão e perdão.
A propósito desta realidade contextual e da polêmica criada – mais uma! – precisamos pontuar no mínimo duas coisas:
Realmente a exploração da cena de Da Vinci, que se baseia na chamada “última ceia” do ministério de Cristo, da forma como feita, foi algo no mínimo infeliz, porque mexe com a fé das pessoas. A última ceia de Cristo é embasamento para a eucaristia, para a comunhão, que é algo precioso para os cristãos. Em suma, não precisava.
Mas, ninguém é hipócrita a ponto de não admitir que ao longo dos tempos o jeito de ser dos que pensam diferente em relação a algumas questões encontra em alguns segmentos cristãos a mesma forma de deboche. Milhões de “cristãos”, diariamente, em posts de vários formatos, também fazem deboche. Isto acontece o tempo todo.
Se a diversidade, na questão da sexualidade, é difícil ou até impossível de ser aceita na leitura que se faz dos textos bíblicos chaves sobre o tema, mesmo que se faça arranjos hermenêuticos, o tema deve ser enfrentado em conexão com enfoques transversais.
Um exemplo simples está no fato da cena, que chocou, ser invocada, mais uma vez, para a lembrança de que “estamos nos fins dos tempos”, como se os elementos que ela evoca fossem novidade. Salomão diria: “Nada novo”. Esse “tempo”, que indicaria a volta do Salvador, já era vivenciado pouco tempo depois de sua ascensão.
Nos tempos de Cristo, do ponto de vista dos costumes que afrontam a santidade requerida de um cristão, o contexto talvez fosse pior. Basta uma analise na história dos imperadores romanos. A vida pregressa de Calígula, por exemplo, suscitaria uma cena de impacto muito maior, se alguém pretendesse resgatar sua história. E Cristo viveu naquele tempo. Aí, analisar o que ele fez e disse seria oportuníssimo para medir nossas posturas e falas.
Nota de Roda pé: As esquetes em muitas igrejas e as piadinhas dos dia a dia nas redes sociais em relação aos que pensam e vivem diferente de nós (cristãos) tem a mesma equivalência da cena contestada da abertura das Olimpíadas. Sobre a cena em questão: Infeliz? Desnecessária? Afrontosa? Sim! Sim! Sim! Mas devemos assumir que, infelizmente, praticamos os mesmos pecados que condenamos nos outros. E aí tem uma história do cisco, na Bíblia, que todos, também, deveriam ler. Assim, nossa forma de protesto deveria ser mais inteligente, até porque "quem não tem pecado, que atire a primeira pedra".
Vivaldo S. Melo