Uma reflexão com base no Salmo 11 – Vivaldo S. Melo
Os fundamentos representam sustentações fortes em nossas vidas. E quando eles são destruídos?
Os fundamentos representam sustentações fortes em nossas vidas. E quando eles são destruídos?
Nestes tempos atípicos que estamos vivendo, em que se insere no cenário da vida o conceito de “um novo normal”, vários fundamentos estão sendo, se não destruídos, pelo menos balançados, pelos reflexos de um vírus mortal na economia, na ciência, na religiosidade, neste caso diante dos questionamentos, mas acima de tudo na família, com perdas irreparáveis.
Em Castanheira, nas últimas semanas, tivemos várias perdas irreparáveis. Cito três, por ligações de afeto: Henrique Vargens, Arrival Gonçalves Rios e Jadiel Gonçalves Rios. Como alguns integrantes das duas famílias enlutadas – Vargens e Rios – formam vínculos de parentesco, muitos estão, neste momento, com as estruturas emocionais abaladas, embora, sendo cristãos, mantenham a fé e tenham a dor atenuada com a esperança maior que os move, que é da vida eterna.
Destruídos os fundamentos, que fazer? Indaga, no Salmo, Davi, num momento em que estava cercado por inimigos, vivendo na eminência de perder o reino. Numa paráfrase a Drummond, e Agora Sonia, Aldecy e Queila? ... esposas desses três valorosos homens?
Se formos seguir o raciocínio do famoso Rei, acuado, correndo risco de vida, três lições são oportunas dentro da perspectiva do tema sugerido pelo texto: O que fazer quando os fundamentos são destruídos? (inquirição do versículo 3 do Salmo bíblico em citação)
1 – Correr para o refúgio certo
Ameaçado por seus inimigos, Davi não tira o foco da direção correta: o Deus que motivou tantos de seus escritos, louvores e ações. Embora isto pareça ser a coisa obvia, em se tratando de alguém que confiava em Deus, precisamos lembrar que nos momentos difíceis não faltam conselhos para vários refúgios. Corremos o risco de ouvirmos essas vozes.
Os amigos de Davi sugerem outras alternativas para atenuar a dor, neste caso da decepção, da traição, e o medo natural que todo ser humano tem. Uma delas, mencionada no versículo 2, é a fuga: “foge, como pássaro... para o teu monte”. Monte, na realidade davidiana, tinha o significado da segurança que alguns refúgios humanos podem dar. Homem de guerra, estrategista, fugir para o monte era uma opção.
Mas, o mesmo Davi, sabia que o seu socorro não estava nisto, daí ter registrado “para os montes olharei, de onde me virá o socorro? O meu socorro está no Senhor, que fez os céus e a terra”. Se é verdade que nos cenários desfavoráveis tendemos a questionar Deus, é certo também que aqueles que o conhecem, se voltam para Ele, mesmo diante do inexplicável. Impelidos pelo Espírito Santo, que tem o papel de interceder pelo homem quando o homem não consegue fazê-lo, os que creem em Deus acabam se rendendo a compreensão de que vida terrena inclui adversidades. O próprio Cristo, disse que para termos paz, em situações complexas como as de momento e não sermos dominados por questionamentos que possam afrontar a fé, precisamos entender que “no mundo teremos aflições”.
2 – Reconhecer a soberania de Deus
Voltemos ao momento de Davi: “Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?”. A Biblia de Genebra destaca que Davi, aqui, está pensando no seu Reino, como entidade política, incluindo a economia, sua vida militar e coisas similares. Tudo estava sob risco! Isto nos faz lembrar a realidade conjuntural do momento, por conta da COVID 19. Se tudo estiver na eminência de ruir, o que fazer?
O próprio Davi que pergunta, responde: “Embora tenha o seu trono nos céus, os olhos do Senhor estão atentos, a suas pálpebras sondam os filhos dos homens” (versículo 4). Ou seja, nesta hora é preciso crer, por mais difícil que isto seja, que Deus não está desatento ao que está acontecendo com os que sofrem perdas e mais perdas.
Embora não tenhamos as respostas para todas as questões que naturalmente surgem nas horas de dor, uma coisa, contudo, sabemos: Deus não deixa que um dano permanente prejudique o nosso relacionamento com Ele. Portanto, se alguma coisa está acontecendo, e ainda não entendemos ou até não aceitamos, porque somos humanos, frágeis, pequenos, precisamos continuar acreditando que os planos de Deus são perfeitos e muitas vezes estão acima da nossa compreensão.
Nestas horas precisamos lembrar de alguns conceitos elevados do plano de Deus para seus filhos. Fazendo uma ponte de Davi com Paulo, é tempo de nos lembrarmos que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. De Davi com Habacuque, que viveu num tempo de destruição e violência e a perspectiva de muitas mortes por um inimigo poderoso, temos a lição da importância de saber esperar. “Vou esperar” disse ele, talvez movido pela compreensão de que vemos apenas o hoje, Deus, contudo, vê o amanhã.
3 – Entregar tudo nas mãos de Deus
Vejo neste Salmo uma sequência lógica: Davi, em mais um momento de dor, corre para o refúgio certo, Deus; confia na soberania de Deus e entrega tudo nas mãos de Deus. Depois de permitir que alguns sentimentos não saudáveis passassem por sua cabeça, quando olhava apenas para as circunstancias (talvez amargura, ódio, etc), ele aquieta o seu coração, lembrando que “Deus prova o justo” (versículo 5).
Embora seja um momento muito difícil para emitir opinião sobre o “por quê” desta pandemia, é correto dizer que todos nós, de alguma forma, estamos sendo provados nestes tempos.
No caso específico de Davi, que sofria com uma perseguição de morte, entre as certezas adquiridas de seu relacionamento com Deus estava a de que seus inimigos, no tempo de Deus, seriam destruídos. O texto fala “em chuva de brasas de fogo e enxofre”. As expressões, se vistas como metafóricas, indicam que aquilo haveria de passar. Num paralelo, os inimigos maiores de nossa caminhada, entre eles, hoje, um vírus terrível, serão derrotados. Mesmo que não seja num tempo presente, como aconteceu com os queridos Henrique, Arrival e Jadiel.
Conclusão
Na perspectiva bíblica a vida não cessa na realidade do aqui e do agora. Talvez isto explique muitos de nossas angústias: embora creiamos, como cristãos, numa realidade eterna, nossos projetos quase sempre não levam em conta a eternidade. A morte de tantos cristãos zelosos nestes tempos é apenas um rito de passagem. Por isto Paulo afirmava que ao morrer “teria lucro” (Filipenses 1.21), porque deixaria uma realidade temporal, com limites claros estabelecidos pelo pecado, para viver uma realidade eterna. O Salmo em questão, a propósito, termina com uma nota extraordinária: “os retos lhe contemplarão a face”. Ou seja, estarão com Deus, face a face, numa glória da qual temos conhecimento apenas parcial, mas o que sabemos já é suficiente para estarmos felizes com aqueles que morreram acreditando em sua realidade.