Fragmentos: Professora Maria Odete, pioneiríssima!

RESUMO DA NOTÍCIA

A história de Maria Odete Coltri Marcantonio se confunde com o surgimento de Castanheira em vários aspectos, sendo rica em detalhes. Vale a pena conferir.
Quem não ouviu que a primeira professora é difícil esquecer? E quando ela foi primeira professora, diretora de escola e Secretária de Educação de uma localidade? A história de Maria Odete Coltri Marcantonio se confunde com o surgimento de Castanheira em vários aspectos, pois ela foi tudo isto e muito mais.

Tendo chegado a nova terra, em definitivo, no início de 1981, sendo recém casada, numa viagem que incluiu o famoso trajeto de Balsa até Fontanillas, esta paranaense de Japurá, nascida em 10 de outubro de 1954, filha de Reinaldo e Palmira Coltri, abraçou a causa da educação com garra e determinação em vários cenários. 

Trabalhar começos não é tarefa simples. Mas ela, que durante os três primeiros anos “não sabia muito bem onde estava”, segundo depoimento do esposo Jorge Marcantônio, por fazer seus primeiros deslocamentos de avião, que era mais prático, estava preparada, desde as primeiras lições sobre a missão de um professor, no curso de magistério em sua pequena cidade, aos debates sobre o tema do ensino superior, no curso de Ciências Físicas e Biológicas, em Umuarama.  

Como se puxasse nomes de um painel imaginário, Maria Odete sabe o significado de cada um quando relata o começo de todos os processos que deram base ao início da educação no futuro município, emancipado em 8 de julho de 1988: CODEMAT foi o órgão estatal que abriu caminho, escolas Dr. Guilherme Freitas de Abreu Lima (Juína) e Vinicius de Moraes (Aripuanã) deram sustentação inicial, Maria Quitéria foi a primeira escola depois do núcleo inicial num espaço improvisado, professor Zenon José dos Anjos, fonte de estímulo em Juina, e assim por diante.

O começo de tudo

Se existe um termo para conceitua-la além de pioneirismo, seria pioneiríssima. Em 1981, com a necessidade de se abrir uma escola, seu nome era a alternativa para dar suporte aos primeiros moradores, que podiam ser contados nos dedos em Castanheira. 

Sua família foi a sétima a se estabelecer no povoado, de pequenas ruas poeirentas, rodeado de densa mata onde não era raro encontrar um ou outro animal selvagem.

A sala onde tudo começou, nas instalações da CODEMAT, destinada inicialmente para refeitório, “era até bonita, pintadinha de azul, com janelas brancas”, lembra. As carteiras, rústicas, seguiam um padrão comum da época, com espaço para quatro a cinco alunos sentarem, lado a lado. 

A rotina, no tempo da famosa cartilha “Caminho Suave”, não era nada fácil, pois se avolumavam no mesmo espaço alunos da 1ª a 4ª séries, alguns ensinados a partir do quadro negro e outros dos livros, com assessoramento individual. Era o caso de uma das séries, que tinha apenas uma aluna. 

Maria Quitéria

Em 1983 este estágio inicial teve fim. Muitas famílias chegaram. Jorge Marcantonio relata que só num ano foram mais de 200. Nesta altura, outras duas séries – 5ª e 6ª - tinham sido incorporadas, num processo que, inicialmente, envolveu grande engenhosidade, pois havia necessidade de professores e alunos para formar as turmas. 

No caso de professores, na medida em que novas famílias chegavam, alguns, mesmo sem formação específica, tinham condições de compor uma equipe. Em 1982 já atuavam na docência a professora Elizabete Castro Martins, sua irmã Lenira e Zenira Licheski. O Mobral, curso de alfabetização para adultos, além de Jorge Marcantonio, recebeu o reforço de Ivone Ganzer

“E os alunos?” Odete lembra que houve um esforço para matrícula. Até pais foram para sala de aula, para consolidar um projeto.

Este contexto requeria uma Escola. Com empenho do professor Zenon, diretor da Escola Guilherme Freitas, de Juína, da qual o projeto inicial foi uma extensão, surgiria a Escola Maria Quitéria, em 19 de abril de 1983. A primeira diretora? Ela! 

A estadualização da escola tornou-se também necessária, pois a demanda aumentava e havia necessidade da criação de outras turmas. Em 1984, por exemplo, já havia necessidade da introdução da 7ª e 8ª series. A medida, porém, requeria um mínimo de 6 salas de aulas. Como existiam apenas 3, a solução foi dividi-las.

Neste ano aconteceu a primeira formatura em Castanheira. Em solenidade na Igreja Católica, que oferecia maior espaço para o ato, receberam o então cobiçado diploma da 8ª série os irmãos Jacó e Ilone, Airton Arvani, Cleonice, Rose – filha da professora Zanara – e Luciana Marques Silva.

Escola Municipal

Em 04 de julho de 1988 Castanheira deixaria de ser distrito de Juína, emancipando-se. Ao pensar em um nome para comandar a pasta da Educação, Zilda Stanguerlin, escolhida prefeita, não pensou duas vezes: Maria Odete. Assim como o esposo, Jorge, sempre pronto a dizer sim aos processos que visavam o desenvolvimento da região, ela se dispôs. Imitando o profeta bíblico, “eis-me aqui!”.

O primeiro desafio foi a criação de uma Escola Municipal. Nestas alturas, a Escola Estadual Maria Quitéria, com cerca de 1.500 alunos, não conseguia atender toda a demanda da 1ª a 4ª séries e já oferecia o 2º grau.

“A construção inicial foi bastante simples, com uso de cepo de madeira, algo bem rústico,  com piso de madeira”, lembra. No ano seguinte foram dados os passos iniciais para uma construção definitiva. “É a Escola que tem até hoje, com ampliações que foram feitas com o tempo”, observa.

Na gestão da educação municipal, além das estruturas físicas, fundamentais para a consolidação de um projeto, a aguerrida professora lutou por formação,  implantando curso para formação de magistério, introduzindo o Projeto Logos, destinado a capacitação dos professores leigos, habilitados em segundo grau, para o exercício do magistério. Também implantou o NEAD, capacitação a distância da UFMT, formando 50 professores na área de pedagogia.

Escolas Rurais

Odete destaca que um dos marcos em sua vida foi o trabalho exigido com o surgimento das escolas rurais. 

Na medida em que o núcleo Juína, do projeto Aripuanã, do Polo Amazônia, que visava, entre outras coisas, o povoamento da chamada Amazônia mato-grossense, foi se desenvolvendo, a Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso, CODEMAT, órgão gestor, adotava a estratégia de construir uma estrutura para escola a cada seis quilômetros nas áreas rurais.

Com o surgimento do sub núcleo de Castanheira, administrado por seu esposo,  muitas delas ficavam nos limites do futuro município. Quando houve a emancipação, em 1988, eram 23 escolas nas várias linhas rurais. 

Foram praticamente oito anos de presença dessas escolas no cotidiano da educação castanheirense. “Um tempo inesquecível”, descreve Odete, que produziu narrativas inesquecíveis, como o deslocamento diário de alunos em longos percursos para chegarem no ambiente escolar.

As imagens da época, reproduzidas em fotos hoje amareladas pelo tempo, dimensionam limites extremos que eram encarados no espírito do lema criado mais a tarde de que “o brasileiro não desiste nunca”. 

Pais, professores e alunos ainda encontravam tempo para a boa diversão, mantendo tradições festivas em eventos contínuos, em muitos dos quais se levantavam fundos para suprir necessidades que o município ainda não conseguia atender. 

Com o início da ocupação das terras alienadas ao Banco do Brasil da Construtora Enco (Engenharia e Comércio), a partir de 1996, houve uma ruptura neste cenário. Muitos sitiantes e moradores de Castanheira foram para o Vale do Seringal, que representa a consolidação de um projeto dois anos depois. 

O novo desafio da professora Maria Odete, agora numa segunda gestão como Secretária de Educação, era a implantação de escolas naquela região. O que fizeram? Com o êxodo das linhas para os quatro assentamentos do Vale, a solução foi desmanchar as estruturas das escolas deste que pode ser chamado de primeiro momento da educação na zona rural, transferindo-as para novos contextos. 

Muito mais!

A saga dos primeiros momentos da educação em Castanheira, ligados aos esforços de Maria Odete C. Marcantonio, demandaria outros capítulos. 

Desafiada à trazer a memória alguns complementos a esse registro para o projeto “Castanheira: Fragmentos de uma História”, lembra da participação dos pais em muitas lutas. Na construção da Escola Municipal, por exemplo, muitos deles deixaram o domingo de descanso para atuar, como voluntários, em mutirões.

Como a história de Castanheira passa, necessariamente, pela Madeireira Rezzieri, o empreendimento do saudoso Elizeu deu sua contribuição. 

Seus caminhões iam constantemente para Cuiabá e outros centros, levando madeira, e voltando vazios. Por que não trazer material de uso na educação? As carteiras da Escola Maria Quitéria vieram por este caminho. 

A propósito deste tempo, Maria Odete lembra da luta pelos primeiros bens móveis. Conquistas aparentemente simples, como uma escrivaninha, já usada, uma máquina de datilografia antiga e um mimeógrafo a álcool, eram celebradas, pelo grau de dificuldade em obtê-los. No caso do mimeógrafo, até os diários de classes eram feitos a partir dele, porque o encaminhamento, pelo Estado, era demorado. 

As recordações deste tempo fazem parte, hoje, do seu cotidiano. Aposentada, com méritos, já tem seu nome, querendo ou não, incorporado à galeria dos construtores de esperança que pisaram o solo castanheirense.Por essas e outras, recebeu, em 2002, o título de "Cidadã Castanheirense". Valeu professora!

Colaborou: Francieli Vanessa dos Reis Marcantonio