A Casa Lar do Idoso, no Bairro Guadalupe, em Castanheira, encontra-se em fase de estruturação. É um projeto novo. Mas, já pode ser vista como um lugar de compaixão. Lá Juliana Vieira Rios, coordenadora, e um grupo de seis cuidadoras, que se revezam em três turnos, acolhem pessoas que construíram suas próprias histórias, mas não foram lembradas pela história.
Antônio Soares da Silva, o Ceará, esteve na Casa. Na manhã desta terça-feira, 01, ele não resistiu aos limites impostos ao seu corpo, nos últimos tempos, que o levaram a depender de outros. Nem falar conseguia mais. E foi lá que a valorosa equipe assumiu suas funções de mobilidade.
Para uma cidade que as vezes não conhece seus projetos mais humanitários, por que tem a correria do dia a dia e quase sempre o ato de existir se dá num contexto de buscas pessoais, espaços como esse precisam no mínimo de preces e apoio. Não fosse sua existência, o Ceará não teria vivido seus últimos tempos como viveu.
Em busca exaustiva para reativar seus vínculos com familiares, a equipe de Juliana encontrou diversas barreiras. Quando ainda podia emitir pronúncias, ele dizia ter nascido no Ceará, daí o apelido, ter esposa e três filhos. Como muitos saiu pelo mundo, em busca de trabalho, determinado a ajudar a família. Não estava, contudo, preparado para as ciladas que a vida oferece, uma delas a do alcoolismo.
No tempo que pôde trabalhar, segundo algumas referências obtidas, deu conta das obrigações. Entre alguns amigos encontrados, a informação era a mesma: ele não falava muito de seu passado.
Na busca por eventuais nomes, Ceará apenas revelou com sua mãe seria Maria Soares da Silva e o pai Francisco das Chagas Filho. Com essas referências, várias regiões daquele que seria seu Estado natal foram consultadas. Secretarias Municipais de Assistência Social divulgaram os três nomes – dele e dos pais -, publicaram fotos nas redes sociais e nada. Na busca local, ao colocar os nomes no sistema, a equipe do Social enfrentava um problema: sendo nomes comuns, haviam centenas ou mais de referencias semelhantes.
Esperança
Com os músculos do corpo se atrofiando, Ceará lutou o tempo todo pela vida. Nunca aceitou usar fraldas e para facilitar o trabalho das cuidadoras, começou a instituir uma linguagem própria de sinais. No topo destes sinais, o clássico sim e não era respondido com o movimento da cabeça. Foi numa dessas, que uma ideia surgiu: a leitura de nomes de algumas cidades do Ceará para uma possível identificação do lugar de sua origem. Quando chegaram a Madalena, a resposta foi positiva! Mas, mesmo por lá, não havia sinais de sua presença.
Lição de vida
A história de Antônio Soares da Silva, de passado enigmático, não teria este capítulo, não fosse um lugar que o acolheu. Lá, independente de quem tenha sido no passado, ele conseguiu deixar marcas. A maior delas, a gratidão. Pode se dizer que o tempo de Casa Lar foi um tempo feliz em sua vida. Isto ele demonstrava com o brilho no olhar e o largo sorriso, contrapondo-se aos efeitos do desistir de viver, característica de alguns. Até por isto, houve choro na equipe que o atendia. Seu corpo será velado na Casa da Saudade.
Não acabou
Independente dos olhares sobre o pós morte de cada um, onde a ideia de continuidade da vida é crença comum, pelo menos a história de vida de Antônio Soares da Silva, o Ceará, ainda não acabou. A busca por referências humanas de seu passado, especialmente familiares, deve continuar nos próximos dias.
Esta busca, será um gesto humano complementar da equipe de Juliana, pois se existem familiares – e a fé é de que existam – eles precisam saber alguma coisa do homem que um dia deixou o lar, foi vencido por um vício, mas enquanto pode foi trabalhador, honesto e nunca amaldiçoou a vida. No dia anterior a morte ainda mantinha na face o que mais marcou de seus últimos dias: o sorriso!