Castanheira: O homem da praça...

O que dizer de um homem trabalhador, simpático, falante, mas totalmente dominado por uma força maior do que as suas, que lhe prostra literalmente ao chão, fazendo deste sua cama, noites a fio, no relento, quando dialoga consigo mesmo, focando em conteúdos absorvidos por sua memória, ainda bastante lúcida, a ponto de lembrar fatos e mais fatos sobre sua vida e Castanheira, onde hoje está temporariamente estabelecido, no centro, na Praça Central? O Maurílio, que gosta de lembrar que é conhecido por Polaco, é este personagem. Ignorado pela maioria dos transeuntes, mas alvo da atenção piedosa de um ou outro, faz parte de um grupo que vez por outra por ali se ajunta,  formando uma espécie de comunidade transitória, enquanto nova temporada de trabalho, geralmente em fazendas da região, não começa.

A bebida, como em muitos casos, tem feito deste homem um escravo. Alguns arriscam lhe ajudar com alimentos. “Pode ser sincero? Eu quero uma cachacinha!”, diz, com os olhos brilhantes, enquanto uma boa alma lhe fala em pagar um marmitex. Como estamos cientes de que este problema transcende os limites do físico e do meramente emocional, perguntamos, outro dia, numa abordagem, se ele gostaria que orássemos. Depois de dizer que já frequentou algumas Igrejas da cidade, indagou se não iríamos acusá-lo pelo hábito de beber. Respondemos que apenas iríamos lembra-lo que Deus o ama. “Aceito a prece”, disse, enquanto fechava os olhos.  Antes que saíssemos, observou, fazendo sinal de positivo: “É de Deus essa oração!”.  Dizer para ele buscar um lugar mais cômodo para dormir, tem o mesmo efeito de tentar, no momento, demovê-lo do hábito de beber, beber e beber.

Outro dia vimos um garotinho, pré-adolescente, se aproximando de Maurílio e lhe estendendo a mão. Ele aceitou o gesto de carinho. Se alguém observava, pode ter sido tomado pelas fobias que todos temos no ato de tentar se aproximar destes personagens que vivem à margem da sociedade. Facilmente criamos estereótipos, clichês e temos uma facilidade incrível para julgar. Como o menino ainda é menino, e ainda não conhece os meandros complicados da vida adulta, não pensou em nada ao tomar aquela iniciativa. E dá até para concluir que talvez seja da soma de pequenos gestos, sem o dedo em riste que acusa, sem a repulsa que impede um aperto de mão, um abraço, que pessoas como Maurílio talvez ainda possam acreditar que existem coisas boas neste mundo criado por Deus, e aceitem o gesto maior de serem ajudados de uma forma mais efetiva, através dos poucos projetos de solidariedade que existem por aí voltados para a recuperação de gente como ele.