Se alguém que você ama muito morresse nesse exato momento, quantos números seriam necessários para contabilizar a proporção da falta que essa pessoa faria para você?
O luto acontece após o rompimento de um vínculo muito importante na nossa vida. Posterior a perda, inicia-se um percurso de elaboração daquilo que é nosso que vai junto com àquele ou àquela que se foi. Desta forma, é preciso simbolizar a importância do que se foi perdido, pois esse perdido é singular, significante, com história, nome, que existiu durante um tempo e espaço.
Há uma perda real, sem possibilidades de uma reversão da morte. Então ela precisa ser simbolizada. Sigmund Freud vai nos dizer em seu texto: Luto e Melancolia, tradução de 2013, que é preciso reconhecer o que se perde de você com a perda do outro, fazendo assim o movimento de apropriação do que tem de você nisso que está sendo perdido, para então autorizar o outro a ir. Sustentar a partida.
Todo esse manejo pode ser articulado nas diferentes situações de rompimentos que temos durante a nossa vida, seja através de términos de relacionamentos, mortes, perdas de empregos, partes ou movimentos de nosso corpo, são acontecimentos que permeiam a existência humana que acontece de forma inseparável do social. Só existimos, pois um outro humano desejou que continuássemos vivos e então cuidou de nós.
Durante essa pandemia do coronavírus, as pessoas tem se deparado de forma muito real com a finitude da vida. Por mais que nos empenhemos a pensar em estatísticas, é insuficiente para mensurar as perdas que uma pessoa pode deixar para àquelas que ela amava e que a amavam.
Então é preciso falar sobre a morte de forma mais honesta, para que possamos elaborar o luto em uma perspectiva que possibilita a continuidade da vida de quem fica. Ana Claudia Quintana Arantes autora do livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, publicado em 2016, fala que o amor nos ajuda a sustentar a dor da perda. Vai ficar aquilo que você viveu antes da partida. Tudo o que foi vivido e não vivido fará parte desse trajeto do luto.
Uma autora australiana chamada Bronnie Ware, em 2011, publicou um livro intitulado “Antes de Partir”, onde apontou cinco lamentos que seus clientes paliativos (termos usados pela autora) se queixaram quando diagnosticados por uma doença grave em progressão. São eles:
1 - Desejaria ter tido a coragem de viver uma vida verdadeira para mim mesma, não a vida que os outros esperavam de mim;
2 - Desejaria não ter trabalhado tanto;
3 - Desejaria ter tido a coragem de expressar meus sentimentos;
4 - Desejaria ter ficado em contato com meus amigos;
5 - Desejaria ter-me permitido ser mais feliz.
O luto é um processo de cura. É preciso aceitar a perda e o encontro com a dor. Não há um tempo determinado para este processo multidimensional, que afeta o físico, psíquico e o social. Se faz necessário que a sociedade tenha um olhar mais delicado para a pessoa enlutada, respeitando o seu percurso de simbolizar este outro que se foi.
O luto é um processo de cura. É preciso aceitar a perda e o encontro com a dor. Não há um tempo determinado para este processo multidimensional, que afeta o físico, psíquico e o social. Se faz necessário que a sociedade tenha um olhar mais delicado para a pessoa enlutada, respeitando o seu percurso de simbolizar este outro que se foi.
Durante toda a nossa vida, alguém precisou e ainda precisamos e precisaremos de cuidados. Seja dentro da nossa casa, nosso trabalho, local onde estudamos, onde compramos nossos alimentos, no trânsito, algum profissional de saúde, só existimos porque estamos nesta rede de cuidados.
Perdas são imensuráveis e cuidados são imprescindíveis, então se cuide, cuide de quem você ama, o distanciamento social não é restrição de afetividade, ainda que um abraço seja insubstituível, uma mensagem de carinho pode mudar o seu dia e o dia de quem recebe.
Arantes, ACQ. A morte é um dia que vale a pena viver / Ana Claudia Quintana Arantes – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016.
Freud, S. [1856-1939] Luto e melancolia / Sigmund Freud. Tradução, introdução e notas: Marilene Carone. Título original: Trauer und melancholie. São Paulo: Cosac Naify, 2013
Ware, B. Antes de partir: uma vida transformada pelo convívio com pessoas diante da morte / Bronnie Ware; tradução Chico Lopes. - São Paulo : Geração Editorial, 2012. Título original: The top five regrets of the dying : a life transformed by the dearly departing.