No dia em que os mortos são reverenciados por milhões, em virtude do feriado de “Finados” que tem origem na tradição católico-romano, talvez seja oportuna uma reflexão sobre a morte da alegria em nossos dias. O recente pleito eleitoral estimulou muito deste sentimento ou apenas o trouxe à tona. Também lançou luz sobre o que realmente somos ou no que nos transformamos e não percebemos.
Exemplos não faltam. Nomeá-los implica num alto grau de coragem, diante da possibilidade de expor a própria segurança. Daí o silêncio de muitos. Martin Luther King, que nos perdoe, mas tem horas que só o silêncio evita o caos maior. E tem um Deus ao qual essas demandas devem ser encaminhadas, mesmo que a resposta demore. Só Ele é absolutamente justo e conhece os lugares mais escondidos do coração humano, de onde procedem desejos materializados em bem e mal.
Como é possível, em meio a tanto ruídos, singularizar algumas questões que extrapolam os únicos parâmetros pensados pelos humanos, que é agrupar pessoas em dois modelos – direita e esquerda – o que não é um mal em si, mas tem nos extremos o grande problema, não é possível que sejamos impedidos e criticados por registrar dois fatos em curso, na realidade local, que deveriam ser repensados por seus agentes.
Duas formas de protesto escolhidas por alguns simpatizantes locais (não todos) do presidente Jair Bolsonaro ferem direitos universais e vão contra os ideais do que entendemos ser uma democracia plena. Democracia não pressupõe fazer o que bem entendemos. Mas fazermos o que é possível, até divergirmos, dentro de regras legais e tendo o pressuposto da verdade como referência irrevogável.
Cidadãos locais aderirem a um bloqueio feito em vários pontos do país fere o direito inalienável de todos de ir e vir. É regra entre os civilizados. A prevalecer o movimento, milhões serão atingidos, especialmente em outro direito universal, que é o direito à vida. Não precisa de legislação para evocar irracionalidade na iniciativa. Partindo do pressuposto que muitos dos articulares certamente confessam ser cristãos, católicos ou evangélicos, basta uma boa leitura na Bíblia, sua referência de fé.
Listar empresas da cidade, especialmente as pequenas, ou empreendedores que contribuem para o seu desenvolvimento, porque não aderiram a proposta de um dos candidatos, é outra estratégia inconcebível em qualquer democracia. Um direito sagrado da democracia é a livre escolha. Discutir ideias é necessário, apesar de que elas deveriam ser bem fundamentadas e não forjadas pelos Tik Tok’s da vida. Mas, articular ações que prejudiquem o próximo, seja ele quem for, fora dos parâmetros da lei, é crime.
Conviver com o contraditório é necessário para que o anelo da paz seja possível. Mas, as discussões que regem esse contraditório deveriam ser mais inteligentes e não apenas movidas pelos desejos do coração. As Escrituras, sabiamente, já registraram, há milênios, que o coração humano é enganoso. Logo, segui-lo, pode ser um perigo.
O primeiro problema, acima, mexe com a memória de muitos, trazendo à tona as ações do MST. Este, por incrível que pareça, hoje representa um grupo ativo na agricultura familiar. Ou seja, deixou de ser o que era. Assim, vamos torcer para que os que constantemente trancam rodovias, sejam eles quem forem, como indivíduos ou grupos, também amadureçam no pensar coletivo e encontrem outros meios de realizar protestos.
O segundo movimento também é insano. Posso não nutrir simpatia, por exemplo, pelo dono da Havan. Já vi movimentos – como o que está em curso em Castanheira, Juína e outros municípios do Estado – para quem se opõe não comprar lá. Mas, que isto não me impeça de visitar a Havan, se assim o desejar. E se por coincidência o proprietário estiver lá, cumprimenta-lo, normalmente. Uma pessoa madura dirá sempre “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.
Talvez o exemplo da Havan seja infeliz, porque a empresa é grandiosa e mesmo que seja renegada por milhões, terá outros milhões que buscarão seus produtos. Já os empreendedores locais que devem ser “vetados”, segundo o propósito da tal “lista”, já enfrentam as dificuldades naturais desta realidade em dias de paz. Imagine se de repente, por política partidária, alguns articulam uma guerrinha ridícula?
Sim, o pleito eleitoral deste ano foi oportuno por lançar luzes sobre o que realmente somos ou nos transformamos e talvez não tenhamos parado para refletir. Ainda temos que amadurecer muito em nossa forma de participação política. Vai demorar muito para que alguns – ou seriam muitos? – aprendam que podemos divergir, discutir ideias, etc. mas respeitar as pessoas em seus direitos inalienáveis. E se cristão somos, um adendo: precisamos aprender o significado real do que é amar, mesmo quando levamos em conta o correspondente da justiça.
Textos bíblicos para reflexão:
“Ouvistes que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” – Cristo, em Mateus 5.38-39.
“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque se amardes somente os que vos amam, que recompensas tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo?” – Cristo, em Mateus 5. 43-46.
Trechos de canções para reflexão:
“Vivemos esperando, dias melhores, dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás. Vivemos esperando os dias em que seremos melhores. Melhores no amor! Melhores na dor! Melhores em tudo...” – Jota Quest, em Dias Melhores.
“Deve haver um lugar, dentro do seu coração, onde a paz, vive mais que uma lembrança” – Roupa Nova, em “A Paz”.
Vivaldo S. Melo