A história de Helenice Joviano Roque de Faria daria um bom enredo de filme. De uma família humilde, todos negros, algo que ela destaca com orgulho, enfrentou com firmeza a luta que todos travam, numa sociedade que teima em discriminá-los. A fé em Deus, fortalecida diariamente na leitura bíblica e estimulada pelo pai, Joaquim Joviano da Silva, um mecânico que se tornou pastor da Igreja Assembleia de Deus, foi decisiva para a caminhada que a levou ao doutorado pela Universidade de Brasília, uma das mais conceituadas instituições de ensino superior do país.
A história desta mineira de Governador Valadares, teve um capítulo importante em Castanheira, onde chegou no final de 1999, acompanhando o esposo, também mineiro de BH, Jorge Marcos Roque de Faria, designado pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, e onde assumiu, no ano seguinte, concurso do Estado, sendo professora na Escola Estadual Maria Quitéria. Lembra com carinho que foi no pequeno município do noroeste de Mato Grosso que começou a ampliar o núcleo familiar, pois ao deixá-lo, em 2001, estava grávida de Marcos Tayllor, que nasceria em Juara. A filha Mariah Eduarda nasceu em Sinop, onde hoje residem.
Estimulada a pensar, desde o berço, a educação como fundamento para construção de um mundo melhor, graduou-se em Letras, Português e Espanhol, antes de tornar-se Mestra em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Unemat, e Doutora em Linguística pela Unb. Hoje é docente de Ensino Superior e da Educação Básica e membro do Grupo de Pesquisa e Estudos Críticos da Linguagem (Gecal_UnB/CNPQ). Atua nas áreas de Língua Portuguesa, Linguística Aplicada Crítica, Formação Docente, Educação, Raça e Identidades.
Mas, Helenice vai além das simples obrigações da docência. Lembra que sempre prometia a si mesma que depois que terminasse o doutorado iria empreender um trabalho de promover o debate sobre temas como sua própria negritude. Daí surgiu a ideia de abrir um canal nas redes sociais. Foi assim que nasceu o “Palavras em Movimento”, no youtube, onde as pessoas antenadas no desejo de serem instrumentos de transformação na sociedade podem encontrar, entre outros assuntos, uma série sobre “Racismo Religioso”, dicas de leitura, dicas de literatura, um interessante debate com a Dra. Inês Philippsen, Dr. Gabriel Nascimento, Dr. Kleber A. Silva e Dr. Antonio C. Santana sobre “Racismo Linguístico” e até um “Papo de Pretas”, mediado por Adriana Peres.
Sobre o negro
Helenice lembra que quando chegou a Mato Grosso observou que as questões étnico-raciais eram pouco exploradas. Ao desenvolver seu trabalho de pesquisadora nas escolas e na Universidade percebeu que havia uma tentativa muito forte de embranquecer o negro. “Isto acontecia e acontece comigo quando eu me afirmo como uma professora negra”, destaca.
“Muitas pessoas dizem para mim que não devo me afirmar como negra, mas como morena”, continua. Para Helenice, essa tentativa de branqueamento deve-se ao desconhecimento da história, pois mais de 50% da população brasileira é negra. “Eu faço parte deste grupo, porque minha certidão diz que sou parda”, realça, observando que o censo indica que a população do país é formada maiormente por negros e pardos.
“Tenho o privilégio de dizer que sou negra, que eu tenho uma família negra”, diz. Pela defesa de suas raízes inseriu o tema como predominante no Canal “Palavras em Movimento” e criou um banco de dados sobre o assunto, dando início a um trabalho de pesquisa para o pós doutorado, versando sobre a formação racial crítica e a educação básica. Com a determinação que tem demonstrado é certo que Helenice logo atingirá mais essa meta, para orgulho de todos que a conhecem.