Do funk, periguetes e tatuagens

Um clima bastante hostil, infelizmente, está em curso no país, por conta das eternas paixões políticas. De dois lados claramente antagônicos, conceituados como direita e esquerda, uma densa produção de textos apelativos, muitos dos quais identificados como fakes, polui as redes sociais. Se a democracia permite esse “tudo” animalesco, permite também que pessoas de bem tentem inserir alguns argumentos moderados neste cenário, incluindo-se a leitura de que o mundo não se restringe a esses dois polos.

Como exemplos não faltam do nível de estupidez que chegamos, basta a singularização da questão da produção cientifica do país, pinçada por muitos na inflamada discussão dos investimentos na educação. O texto “a verborréia da ciência no Brasil”, é um dos mais correntes, estando entre os que mais são disparados por aplicaticos de mensagens. Nele, alguns trabalhos de cursos de pós graduação de instituições como a UFG, UFPE, UFMG, UFRJ e UNESP são citados para fortalecer a tese de que a pesquisa é um elemento questionável no país, justificando-se, com isto, determinados cortes.

Se temas como “Os Discursos de Gênero e sexualidade no Bigh Brother”, “Uma Análise da Construção da Categoria Periguete”, “A Estética do Funk Carioca: Criação e Conectividade em Mr. Catra” e “Tatuagens e Construção de Identidade em Periguetes”, para não citar outros que eu não ousaria registrar, realmente podem gerar questionamentos, especialmente entre os que não transitam nessas realidades, não é justo avaliar o cenário da produção científica tendo-os como paradígmas.

De acordo com a publicação Clarivate Analytics, feita a pedido da CAPES, o Brasil, no período de 2011 a 2016, publicou mais de 250 mil artigos na base de dados Web Of Science em todas as áreas do conhecimento, correspondendo a 13ª posição num universo de 190 países. As áreas de maior impacto correspondem a agricultura, medicina e saúde, física e ciência espacial, psiquiatria e odontologia, entre outras. Muitos resultados das pesquisas realizadas nos últimos anos e décadas se refletem em setores que mexem com a economia e a vida do país. Em nosso Estado, por exemplo, o avanço do agronegócio muito se deve a pesquisas realizadas especialmente nas universidades públicas. Aliás, a propósito, 95% da produção científica do país nas bases internacionais, deve-se à capacidade de pesquisa de suas universidades públicas.

Que “o não aceito”, que arrisco conceituar como “produção anárquica”, da qual tenho sérias objeções por questões de fé, evocado para apoiar eventuais cortes de orçamento (não quero discutir o mérito de percentuais), não seja usado pelas pessoas de bom senso para fomentar a construção de um cenário que não é verdadeiro e não faz jus ao denodo e esforços de muitos estudiosos sérios, que devotam suas vidas a serviço do bem.  Como cristão, rogo a Deus para que os ânimos acirrados sejam apaziguados pelo espírito daquele que pelo menos nominalmente é referência de fé da maioria dos que se envolvem, diariamente, em discussões apaixonadas e infelizes sobre o que flui do cotidiano político. Falo de Cristo, que pode dar o norte seguro para este momento – mais um! – nauseante que estamos vivendo.

Vivaldo S. Melo