Todos que se encontravam no velório do Joaquim Andrade, alvejado com vários tiros pelo vizinho, Maurício Duarte, se impressionaram com a comoção de Manoel Gustavo, político conhecido na cidade, dono de um denso eleitorado. Alguns conseguiram entender naquele momento a razão de sua popularidade, especialmente entre os mais pobres.
Na verdade Manoel foi além do mero choro. Viabilizou os meios para que o caixão e todos os serviços funerários fossem quitados. Durante as horas amargas enfrentadas pela família entre o velório e o enterro do corpo, em várias ocasiões se fez presente, chegando a anular alguns compromissos de agenda.
No velório, cumprimentou respeitosamente a todos os presentes, distribuiu abraços calorosos aos familiares e não poupou os votos de pesar. Não poucas vezes manifestou sua revolta com Maurício, o assassino. Afinal, o crime fora banal. Matara o vizinho simplesmente porque este reclamara do seu cachorro, que vivia solto e representava um perigo permanente para as crianças.
- "Um cara desse tem que morrer na cadeia", disse em determinado momento, mostrando-se indignado!
Quando a missa de corpo presente começou - Manoel era católico - fez questão de ler uma parte do folheto litúrgico. O padre, à priori não se mostrou confortável com a ideia, certamente por ver além dos que ali estavam. Aliás, nem precisava ser sacerdote, para entender que ele estava simplesmente reproduzindo um modelo de intenções muito peculiar na cultura circundante.
Na hora mais difícil, quando o corpo seria levado e as últimas imagens daquele que fora, segundo testemunhas, um bom rapaz, ficariam gravadas na retina dos amigos e familiares, lá estava o Manoel, ao lado da mãe enlutada, dizendo-lhe coisas como "ele foi desta para melhor" ou "Deus o tomou para si". Na verdade as frases eram uma coletânea de outros funerais, ditas por oficiantes religiosos. "Político esperto tem que aprender a linguagem religiosa", sempre gostava de dizer Manoel, nas reuniões a portas fechadas, para seus assessores, quase sempre entre um sorriso e outro. Finalmente na hora de carregar o caixão, foi o primeiro a pegar numa das alças.
Já tarde da noite quando, quando chegou em casa, e depois de um caloroso abraço da esposa, Manoel observou:
- "Hoje com certeza eu ganhei novos eleitores".
Antes de dormir, naquela noite, ele ainda teve tempo para contactar com um dos assessores mais próximos. Pediu-lhe que entrasse em contato com o Dr. Eurípedes, advogado conceituado, famoso por defender com brilhantismo alguns criminosos.
- "Diz a ele para assumir a defesa do Maurício. Pobre rapaz. Deve estar angustiado enquanto não se apresenta à Polícia", argumentou para o assessor. E continuou: "Já estou até vendo as manchetes do Jornal A Cidade: "Maurício Duarte mata vizinho com um tiro certeiro!".
- "Coitado do Maurício!", balbuciou, depois de desligar o telefone.
*Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência...
Vivaldo S. Melo