O inimigo da onça

RESUMO DA NOTÍCIA

Em agosto de 2014, a 4ª edição da Revista Innovare trouxe como matéria de capa o assunto “onças em Castanheira”. O texto, que estamos reproduzindo, sob o título original “O inimigo da onça!” traz narrativas de pessoas que viveram num tempo em que a presença do felino era comum nas matas da região.
Ganhou notoriedade no Brasil a publicação, em charge, “O Amigo da Onça”, na revista O Cruzeiro de 23 de outubro de 1943. Nela há o seguinte diálogo entre dois caçadores:

- O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse em sua frente?

- Ora, dava  um tiro nela.

- Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo?

- Bom, então eu matava ela com o facão.

- E se você estivesse sem o facão?

- Apanhava um pedaço de pau.

- E se não tivesse nenhum pedaço de pau?

- Subiria na árvore mais próxima.

- E se não tivesse nenhuma árvore?

- Sairia correndo.

- E se estivesse paralisado pelo medo?

Então o outro, já irritado, retruca:

- Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?

Em Castanheira e região, dificilmente uma onça levaria a melhor num ataque ao homem, pois os recursos citados na clássica história estão presentes em todos os cenários onde elas ainda aparecem. E nas conversas do dia a dia dificilmente encontramos um “amigo da onça”.

É o caso do aposentado que vamos chamar de Epafrodito Estéfano, evocando a lembrança de um personagem bíblico, para preservar o anonimato de nosso contador de histórias. Falante, extremamente lúcido e sem tropeçar nas palavras, alega não querer encrenca com os defensores dos animais. “Quero paz, mas se não for citado conto histórias de onças”, destaca.  

Lembra que quando os desbravadores da região iniciaram o processo de povoamento, entre os inimigos de seus rebanhos se sobressaiam esses temíveis comedores de bezerros e potrinhos, que se faziam sócios dos criadores, nos campos e nos currais, isto quando não iam aos chiqueiros abocanhar os suínos de ceva. “Era preciso exterminá-los!”, diz, referindo-se as onças. Ele mesmo, quando sitiante nas proximidades do Rio Vermelho – na linha três – teve um rebanho de porcos perdido. 

Na verdade a luta contra esse felino perigoso visto nas espécimes preta, parda e principalmente pintada, já existia mais de dois séculos em terras do Centro Oeste brasileiro. Hoje a área de sua presença é bastante reduzida, mas pode ser encontrada em Castanheira e em toda região noroeste de Mato Grosso, até em lugares inesperados. Foi o que aconteceu recentemente com Maria Geanes Rodrigues Brandão e Edinezio Brandão de Amorim, que estiveram no município visitando familiares. Na volta a Dom Aquino, nas proximidades do Rio Juruena, em Juína, tiveram o privilégio de ver uma onça preta, cruzando a BR, calmamente.

Em Castanheira, nas proximidades da Fazenda que reverencia um dos lugares prediletos de sua moradia, a Toca da Onça, de propriedade de Aléxio Rios, o pecuarista Nelson Capixaba topou recentemente com um exemplar de onça parda, no final de uma tarde em que saia de uma visita à filha, Gabriela.  Nada de morte, porém, até porque ele estava dentro de seu veículo. A surpresa foi imensa, afinal nem sempre é fácil ver o felino. Roberto Vargens, por exemplo, mora nas cercanias há mais de vinte anos. Alega nunca ter visto onça, de qualquer espécime.

Lembrando tempos antigos, em que teve muitos problemas com onças, Epafrodito diz desconsiderar esse “privilégio”. Como havia onça em grande quantidade, lembra o escritor Virgílio Corrêa Filho para dizer que “era preciso exterminá-las”. E isto acontecia em perseguições implacáveis, que exigiam destemor e habilidade. Destaca que os índios também enfrentaram onças em Mato Grosso, caçando-as com flechas apropriadas e reforçada lança, com ponta de osso, que possivelmente se transformaria na zagaia. Perseguiam o animal para acuá-lo. E, então, se não podiam flechá-lo, por entre as moitas densas, provocava-nos até obriga-lo à investida, rechaçando-o com um pontaço quase sempre mortal. Se o golpe falhasse, havia o recurso do salto para trás, que permitia repetir a manobra.

Nesse duelo de morte, nem sempre a derrota fatal colhia o quadrúpede. Bastaria o mais o mais leve descuido ou escorregadela, para que se banqueteasse o felino com a carne humana. Para afastar a possibilidade deste desastre, os não índios preferiam o emprego de armas de fogo, manobradas de maior distância. Certeiros na pontaria, escolhiam a parte mais vulnerável da fera, quando possível entre os olhos, por onde a bala penetrava, sem estragar a pele do animal, geralmente vendida ou usada como troféu na forma de adereço pelos caçadores em suas próprias casas.

“Não concordo com esse cuidado todo em relação a esse animal, que continua fazendo estragos na região”, enfatiza nosso interlocutor. Nem a observação de que é possível uma convivência mais pacífica como já ocorre em algumas regiões o convence. “Onça boa, é onça morta”, salienta. Ao ser perguntado se algumas ainda morrem por aqui, ele sorri, e se cala. Como quem cala consente...