Lilica: uma história típica do mundo das crianças

RESUMO DA NOTÍCIA

Uma história real do mundo das crianças. Só podia ser!
Minha filha Beatriz, quando criança, assim que começou a interagir mais ativamente com o mundo, manifestou o desejo de ganhar um animal de estimação. Pensamos em satisfazer-lhe o desejo, até por conta da orientação de psicólogos. Esses, acham essa relação saudável e necessária, por criar condições para o desenvolvimento da afetividade. Questões como perdas, por exemplo, são melhor absorvidas pelas crianças, a partir da relação com os animais.

Um grande dilema, entretanto, estabeleceu-se. Na época, a incidência de leishmaniose no Estado de Mato Grosso do Sul, onde morávamos,  era preocupante. Até a morte de pessoas foram registradas. Como os cães e gatos geralmente são os animais mais desejados pelas crianças, não queríamos adquirir um ou outro, por serem reservatórios da leishmaniose, transmitida por um mosquito vetor. A insistência de Beatriz, porém, em ter um animal de estimação, nos comovia.

Em meados de agosto de 2007, quando um grupo da Igreja Presbiteriana de Aquidauana, a qual pastoreamos, foi desenvolver uma ação social na região do lixão, em Anastácio, cidade limitada por um extenso rio, aconteceu algo inesperado. Vendo o carinho de Beatriz para com um pintinho, no quintal de uma residência, os donos lhe presentearam a ave. Os olhos de Beatriz brilharam de alegria e não poderíamos recusar o presente. Ela própria se encarregou de nomeá-lo. Lilica, foi o nome dado. Beatriz não aceitava que vissem a ave como do sexo masculino. Quando alguém usava o pronome "ele", de pronto ela corrigia, "Não é ele, é ela!". Na verdade nunca soubemos o sexo do bichinho, primeiro por não sermos especialistas e se fossemos, algo aconteceu antes do período em que as diferenças ficam mais evidentes.

Na verdade a Lilica, como resolvemos chamar, se apegou muito à todos de casa, especialmente a Beatriz. Começou a ficar difícil andar com tranqüilidade no comum vai-e-vem doméstico. A Lilica sempre seguia quem se movimentasse. Qualquer descuido poderia ser fatal. Assim, num momento de descuido, acabei pisoteando a pequena ave. Rosenir, minha esposa, pegou-a na mão. Lilica estava imóvel. Não esboçava nenhuma reação. Foi então que a Beatriz, em prantos, na inocência de seus 3 anos, pediu para que fizéssemos uma prece.

- Pede prá papai do céu sarar a Lilica!

Como a fé se desenvolve a partir de ações como essa, atendemos ao seu pedido. E não é que a Lilica começou a mexer-se, novamente, enquanto Beatriz gritava de alegria? Se foi um toque divino ou uma simples coincidência, não sabemos. Mas, Lilica voltou a interagir conosco. Ao longo de uma tarde inteira ela nos perseguiu e brincou muito com a Beatriz. Não imaginávamos que suas horas estavam contadas. Ao final da tarde a percebemos um pouco triste. A noite, já não comia e nem bebia. Finalmente, no dia seguinte, amanheceu morta.

Nunca me vi dirigindo uma cerimônia fúnebre para animais. Beatriz, contudo, exigiu isto. E no quintal de casa, tendo ao fundo o choro de nossa filha, agradecemos a Deus pela vida da Lilica e pelas alegrias que ela nos trouxe. E como numa cerimônia comum, jogamos terra sobre o seu corpo. Não é preciso dizer que Beatriz exigiu um novo pintinho, ou melhor, uma nova Lilica. Compramos, imediatamente, uma de granja, que acabou fugindo. Justo no dia de sua fuga recebemos a visita de um policial amigo, Lourival Pinheiro, que foi abordado por Beatriz.

- Você não é policial, então procure a minha Lilica!

O apelo surgiu efeito. A segunda Lilica não foi encontrada. Mas, no dia seguinte, Lourival presenteou Beatriz com uma terceira Lilica. As duas experiências anteriores nos ensinaram a cuidar melhor desta última, que viveu por muito tempo. Depois da quarta semana, conforme indicam alguns manuais, pudemos perceber que pelo menos a última era realmente uma Lilica...

VIVALDO S. MELO