Quem ouve suas histórias não tem como relevar a força do povo nordestino. A determinação de seguir em frente e realizar sonhos faz inveja aos que simplesmente se acomodam e, no espírito de uma famosa canção de Raul Seixas, simplesmente ficam esperando a morte chegar.
Aos 74 e 81 anos, respectivamente, Jaime Brum e Osmerinda Regi Bruno, paraibanos de Santana dos Garrotes, são referencia em Castanheira de uma família que vive em plenitude o cotidiano da agricultura familiar.
Sua residência, ampla e varandada, no Sítio Campina Verde, nos primeiros quilômetros da saída para Juruena, onde um jardim exuberante, com imagens de personagens que lembram sua religiosidade, entre elas Padre Cícero, é referência de romarias, por conta do cruzeiro logo à entrada, e de visitas permanentes, especialmente de estudantes, que vão conhecer um pouco do que leem nos livros escolares.
Para manter firme a dinâmica do local, numa rotina de lidas intermináveis, além do casal, atuam as filhas, cada uma cuidando de um setor. Tem a que cuida de tirar o leite, a que colhe ovos – mais de 350 diários -, a que alimenta e mata os porcos, e assim por diante, num dos mais conhecidos cenários de produção de alimentos do município, que ajuda a abastecer mercados e a despensa da merenda nas escolas. “Éramos seis”, destaca uma das filhas, lembrando obra clássica da literatura, num tom de tristeza, referindo-se a Neuza, que faleceu há dois anos. As outras são Maria, Tereza, Lindaura, Carmen e Grinalda. Marcos, o único irmão, reside em Juruena.
No centro de todo este cenário, onde o visitante pode também encontrar melado de cana, farinha de mandioca, queijo, carne e banha de porco, banana, cacau e os famosos pães e rapadura, vendidos no que resta da feira municipal, está o falante Jaime Bruno.
Histórias não faltam para contar, algumas atreladas as lembranças dos tempos de nordeste, afinal as novidades eram frequentes numa família de 21 irmãos. Outras são dos tempos de caminhada com a esposa, com a qual uniu-se em 1965, numa cerimônia realizada na casa dos pais, no Sitio Maracujá de Cima Dois, na terra natal.
Como quase todo migrante nordestino, Seo Jaime andou por outros lugares, antes de fixar-se em Castanheira, às 14 horas do dia 02 de agosto de 1983, depois de quatro viagens anteriores a região, a primeira delas para sondar a viabilidade de trabalhar com a produção de café em Juara, no final da década de 70 do século passado. Motivado pelo sonho de comprar um pedaço de terra para criar os filhos e tendo colhido alguns frutos do trabalho duro em Cruzeiro do Oeste e Tuneiras do Oeste, Paraná, e Tangará da Serra, em Mato Grosso, animou-se com uma oportunidade na região onde seria Castanheira, inicialmente na linha 01.
Conhecedor da realidade, pois desde 1978 já transitava na região, trouxe no caminhão da mudança, numa viagem que incluía o famoso trajeto pela balsa do Seo Elizeu Rezzieri, no Rio Juruena, com chegada em Fontanillas, mantimentos para mais de um ano.
Já na terra onde determinou que seria definitiva e onde existiam apenas 04 residências, de madeira, onde seria a Avenida 04 de Julho, venceu desafios enormes com a esposa e os filhos. “Os tempos foram difíceis”, observa, destacando que não havia quase nada. Para dimensiona-los lembra de alguém dizendo que com tantas mulheres na família, não aguentariam mais do que dois anos. “Hoje são praticamente quatro décadas”. Deste cenário lembra que chegaram a abrir, no braço, 18 alqueires de terra.
Os esforços do desbravamento valeram a pena. Além da produção atual, que coloca produtos relevantes na mesa do castanheirense, o Sitio Campina Verde já foi referência de outras variedades. “Já chegamos a ter 50 mil pés de abacaxis plantados e a colher milhares de sacas de arroz”, observa. Os ciclos se encerraram por motivos diferentes, dando lugar a outras culturas.
Lembranças de um tempo
A luta de Jaime Bruno e família e de outros pioneiros, como seus vizinhos – ele lembra de Claudionor, Alécio Zamian, Jorge Zanian, Cosme e Antônio Ferreira – pode ser exemplificada em muitas histórias.
Se os pais davam duro nas lidas do campo, desbravando áreas e se envolvendo com o ciclo do plantio a colheita, num trabalho feito manualmente, nos primórdios, os filhos também cresceram acostumados com os limites impostos pelo tempo.
Além de se envolverem com essa rotina, na medida que cresciam, foram alunos de salas multiseriadas, onde um valoroso educador, quase sempre uma professora, ensinava, ao mesmo tempo, várias séries. Chegar ao local de ensino não era fácil, pois não havia transporte escolar e os trajetos muitas vezes eram feitos a pé.
Um dos perigos em qualquer deslocamento era o das onças, que rondavam a região. Assíduos nas missas dominicais, na cidade, a família lembra das vezes em que a melhor maneira de continuar o trajeto era gritar para que elas saíssem da estrada e entrassem na mata. O método não era seguro. Mas, funcionava.
Da religiosidade, Jaime Bruno, devoto, como todos, de Nossa Senhora Aparecida e Padre Cícero, lembra que conheceu, quando criança, o Frei Damião. Chegou a se confessar com ele. Como tinha entre 9 e 10 anos nesta época, deve ter falado de suas peraltices. Coisas de um tempo.