Aquele que anda muito. Essa definição mais comum de “andarilho” encontrada nos melhores dicionários, cabe muito bem na história de José Boche, natural de Terra Rica, Paraná, que passou pela região de Castanheira a caminho de Juruena, onde estariam morando alguns velhos amigos.
A opção por ser um andador, não foi espontânea. Aos oito anos teve que sair de casa, por conta do falecimento do pai, Carmélio Boche. A mãe, Maria Madalena Barbosa Boche, nem checou a conhecer, pois faleceu após o seu nascimento. Viveu um tempo de favores na casa de Manoel Francisco, conhecido como Manuel Português. Aos 17 anos, depois da venda do Sítio onde trabalhava, pôs-se na estrada.
Diferente de muitos andarilhos, que deixam literalmente de viver, não fazendo outra coisa senão andar, andar e andar, José gosta de parar em alguns momentos. Neste caso, procura trabalhar. As experiências mais longas que teve foram em Serrarias. Tem histórias pra contar de suas paradas em Assis Chateubriand, no Paraná, Naviraí, em Mato Grosso do Sul e até no Paraguai, no vilarejo de Paloma.
“Já estive em Castanheira, trabalhando, nos tempos da Rezzieri, foi no ano de 1988”, destaca. “Nunca deu para juntar dinheiro, dava só para sobreviver”, completa.
Sobre a experiência de caminheiro, muitas histórias. Ao passar por Castanheira, no último mês de outubro, vinha do Pará, alternando andanças com uma ou outra carona, dada por pessoas com espírito humanitário, o que é raro na relação direta com o andarilho, pois geralmente há um misto de medo e desconfiança. Até por conta disto, já teve um copo d’agua negado, numa abordagem na zona rural.
Contabiliza como maior trecho a pé o que percorreu entre Itaituba a Moraes de Almeida, algo em torno de 500 quilômetros. Como não faz planejamento, observa que já dormiu nos mais variados locais, inclusive debaixo de pontes. E por mais que carregue consigo poucos bens e traga na fisionomia as marcas de uma vida sofrida, já foi alvo de ladrões. Na cidade de Ariquemes, em Rondônia, levaram a roupa de sua bagagem, enquanto dormia num local público.
Situa a tarde como o período mais difícil de sua jornada, especialmente quando o sol é escaldante. Na hora de comer, geralmente conta com a solidariedade das pessoas e neste quesito indica Juara como um lugar de bom acolhimento. Altamira, no Pará, seria a pior, por causa da violência.
Entre uma pausa e outra, percebe-se tristeza em seu olhar. Desafiado a abrir o coração na hora do almoço, oferecido pelo casal Wagner Fernando-Camila, salienta que estar numa residência, onde a força dos vínculos familiares é notória, faz-lhe voltar no tempo. “Gostaria muito de ter conhecido minha mãe. Essa é a mulher que eu mais gostaria de ter conhecido”, diz.
Sobre relacionamentos, já teve uma companheira, que lembra apenas pelo nome inicial: Tereza. Foi em Ipecum, no Paraguai, que seus caminhos se encontraram. “Foi por um breve tempo, o suficiente para descobrir que meu destino é mesmo viver sem família”, conclui, lembrando um dito popular: “Antes só do que mal acompanhado”.
Não demorou mais do que uma tarde sua permanência em Castanheira. Com apoio da Innovare seguiu viagem, de ônibus, até Juruena, onde deve permanecer por um tempo. Até que a vontade de ficar só volte a impulsionar seus passos na direção da estrada.